terça-feira, 20 de outubro de 2009

O grande Romano da mãe Dágua.A origem,a vida e a morte.


ANTÔNIO ROMANO Caluetê, 1840–1891, é o mesmo Romano da Mãe D’Água, porque nascera e residia no Saco da Mãe D’Água, no município de Teixeira, Paraíba. Era irmão do cangaceiro-cantador Veríssimo do Teixeira e pai de Josué Romano, cantador famosíssimo. Chamavam-no também de Romano do Teixeira, o Grande Romano. Foi o mais célebre cantador do seu tempo. Ficaram memoráveis nos fastos da cantoria o desafio e Romano com Manuel Carneiro, em Pindoba, Pernambuco, e o combate com Inácio da Catingueira, no mercado-público de Patos, Paraíba, e que durou oito dias, segundo Rodrigues de Carvalho. Faleceu a 1º de março de 1891, repentinamente, trabalhando no seu roçado num domingo. Num embate de Josué Romano com Manuel Serrador, o filho do cantador afamado assim apregoou as glórias paternas:
Eu me chamo Josué, Filho do Grande Romano, O cantador mais temido Que houve no gênero humano: Tinha a ciência da abelha, Tinha a força do oceano!...
Romano conhecia as ciências populares e delas tirava efeito seguro. Seus versos estão deturpados e dissolvidos nas
gestas de outros cantadores. Raros serão os verdadeiros, entre os muitos apontados como autênticos pela tradição.
Um fato curioso de sua vida foi a visita que fez ao irmão Veríssimo na cadeia de Teixeira. Veríssimo era cangaceiro da quadrilha de Viriato. Condenado a sete anos de prisão, passou-os tocando viola e cantando desafio com ele mesmo. Romano foi visitá-lo e o comandante do destacamento, sertanejo autêntico, permitiu um encontro dos dois, de viola em punho, dentro da cadeia. E cantaram juntos, como se estivessem num pátio de fazenda, em noite de lua, sob aplausos.
INÁCIO DA CATINGUEIRA, negro escravo do fazendeiro Manuel Luiz, cantador lendário e citado orgulhosamente por todos os improvisadores do sertão. Seus dotes de espírito, a rapidez fulminante das respostas, a graças dos
remoques, a fertilidade dos recursos poéticos, a espantosa resistêcia vocal, ficaram celebrados perpetuamente. Sendo negro e analfabeto não trepidou enfrentar os maiores cantadores do seu tempo, debatendo-se heroicamente e vencendo quase todos. Foi o único homem que conseguiu derrubar Romano da Mãe D’Água, depois de cantarem juntos oito dias em Patos, luta que é a página mais falada nos anais da cantoria sertaneja. O Grande Negro nasceu no dia de santo Inácio Loiola, 31 de julho, na fazenda e povoação de Catingueira, perto de Teixeira, Ribeira do Piancó, Paraiba, e faleceu aí, sexagenário, em fins de 1879.
(Extraído de CASCUDO, Luís da Câmara.
Vaqueiros e Cantadores, p. 169, 170, 256-258)
Nenenzin Pereira.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A peleja da fundação: Ignacio da Catingueira e Romano da Mãe d'Água



  • Nenenzin Pereira
  • Dizem que esta seria a peleja fundadora de todas as pelejas. Nada ficou escrito pelos cantadores. Talvez sequer soubessem ler. Há fragmentos anotados aqui e acolá nos cordéis de outros cantadores. Inácio da Catingueira seria escravo. Romano da Mãe D’água, dito Romano Caluete, seria um pequeno proprietário rural, ambos paraibanos, e teriam travado esta peleja na feita da Vila de Patos, PB, em 1870.
    O poeta Luiz Nunes Alves fez esta unificação tomando por base os diversos fragmentos que correm na boca do povo, já registrados por Ugolino do Cabugi, Leandro Gomes de Matos, Leonardo Mota, Silvino Pirauá, Chagas Batista, Padre Manuel Otaviano, Rodrigues de Carvalho e Nestor Diógenes.

Inácio

Me tirem de um engano:
Me apontem com o dedo
Quem é Francisco Romano,
Pois eu ando no seu piso
Já não sei há quantos anos.

Romano

Negro, me diga o seu nome
Que eu quero ser sabedor,
Se é solteiro ou casado,
Aonde é morador,
Se acaso for cativo,
Diga quem é seu senhor.

Inácio

Eu sou muito conhecido,
Aqui nesta ribeira,
Este é o seu criado
da Catingueira.
Dentro da Vila de Patos,
Compro, vendo e faço feira.

Romano

Negro, vieste a Patos
Procurando quem te forre
Volta pra trás, meu negrinho
Que aqui ninguém te socorre;
E quem cai nas minhas unhas
Apanha, deserta ou morre.

Inácio

Seu Romano, em vim a Patos
Pela fama do senhor,
Que me disseram que era
Mestre e rei de cantador;
E que dentro de um salão
Tem discurso de doutor.

Romano

Inaço, que andas fazendo
Aqui nesta freguesia,
Cadê o teu passaporte,
A tua carta de guia
Aonde tá teu sinhô
Cadê a tua famia.

Inácio

Seu Romano, eu sou cativo,
Trabalho para meu sinhô...
Quando vou para uma festa
Foi ele quem me mandou,
E quando saio escondido
Ele sabe pronde eu vou.

Rmano

Inaço, deixa-te disto,
Não te possa acreditá
Pois eu também tenho nego
E só mando trabaiá...
Como é que teu sinhô
Vai te mandá vadiá?

Inácio

Inaço da Catinguera,
Escravo de Mané Luiz
Tanto corta com risca,
Como sustenta o que diz!
Sou vigaro capelão
E sacristão da matriz.

Romano

Este aqui é seu Romano
Dentaria de elefante,
Barbatana de baleia,
Força de trinta gigante,
É ouro que não mareia,
Pedra fina e diamante.

Inácio

Inaço da Catinguera
É nego desengonçado:
Abre cacimba no seco
Dá em baixo do muiado...
Aperta sem sê troquês,
Corta pau sem sê machado.

Romano

Inácio, o meu martelo,
Por bom ferreiro é forjado;
Tanto ele é bom de aço,
Como está bem temperado;
A forja onde ele foi eito
É toda de aço blindado.

Inácio

Seu Romano, eu lhe garanto
Que resisto ao seu martelo;
Ao talho do seu facão,
Ao corte do seu cutelo;
Se eu morrer na peleja,
Lhe vencerei no duelo.

Romano

Negro criado vadio
Tem por fim acabar má;
Uns casam com mulher forra
Outros dão pra roubá.
Outros fogem do serviço
Com medo de trabalhá.

Inácio

Eu felizmente não sou
Escravo de senhor cru,
Que trabalha todo o dia
De noite faz quinguingu
Aparpando no escuro
Fossando que nem tatu.

Romano

Estou ouvindo as tuas loas,
Não te possa acreditar.
Que eu também tenho escravo
Mas não mando vadiar,
Que eu saio pra divertir
Os negros vão trabalhar.

Inácio

Seu Romano, sou cativo,
Mas trabalho no comum.
Dar descanso a seus escravos
É gosto de cada um
Meu sinhô tem muito negro,
Seu Romano só tem um.

Romano

Pra negro eu tenho chicote
E palmatória e trabuco.
Boto-o na mesa do carro
Passo por cima e machuco
Vadeio de lá pra cá:
Traco-traco! Truco-truco!

Inácio

Seu Romano, meu facão
Também trabalha em seu quengo!
Desmastreio-te a carreira
Como um cavalo de rengo
E vou de uma banda pra outra
Traco-traco! Tengo-tengo!

Romano

Negro, se eu te pegar
Numa volta de caminho
Eu te faço um agrado,
Com meu chicote um carinho
Se a camisa for nova
Só te deixo o colarinho.

Inácio

Sou abelha de ferrão
Sou besouro de caboclo,
Se eu pegar seu Romano,
Dou um arrocho, deixo-o rouco
De quebrar-lhe as canelas
Só deixar-lhe dois catoco.

Romano

Negro você não me venha
Que se vier eu lhe abeco
Sacudo-o em cima da forja,
Com os fole eu te sapeco,
Boto-te em cima da safra,
Com dois malhos, teco-teco!

Inácio

Seu Romano, não se alegre
Que a hora não acabou-se.
Eu derrubo de machado,
Acabo, pico de foice.
Valentão que vir a mim
Mato-o de queda e de coice.

Romano

Negro se tu me cercares
Com quatrocentos caifai
Cem de uma banda, cem de outra
Cem adiante, cem atrai
Isto é que é tapa que dou
Isto é que é nego que cai.

Inácio

Seu Romano á fazê isso
Té arriscado a passar má
Vai o chumbo, vai a bala
Vai o nó do caruá.
Dá-lhe os nego, dá-lhe as nega
E os nequim também lhe dá.

Romano

Na minha mão não passa
Negro sem carta de guia
Boto-lhe o surrão abaixo
Para fazer vistoria
Se é cativo ou se é liberto
Se é casado e tem famia.

Inácio

Seu Romano, a fazer isto
Certamente passa má
Vai a bala, vai o chumbo,
Vai a corda de crauá
Dá-lhe os negro, dá-lhe as negra
Dá-lhe tudo, tudo dá.

Romano

Inácio da Catingueira
Madeira do Piancó
Eu boto-lhe no meu machado
E tiro-a toda no pó
Boto-lhe a régua em cima
E desempeno de enxó.

Inácio

Seu Romano carapina,
Carregue boa ferrage
Sou braúna, angico torto
Sou pedra mármore, em lage,
Sou lagedo, penedia,
Logo seu ferro é bobage.

Romano

Inácio, olha que eu tenho
Força e muita inteligência,
Não me falta no meu estro
A veloz reminiscência;
Muitas vezes tenho dado
Em cantador de ciência.

Inácio

Seu Romano eu só garanto
É que ciência eu não tenho,
Mas para desenganá-lo
Cantar consigo hoje venho;
Abra os olhos, cuide em si,
Pra não perder seu desenho.

Romano

Inaço faça um favô
Me diga lá num repente
Qual é a dor que mais dói,
Que mais atormenta a gente.

Inácio


Eu penso que o panadiço
É dorzinha impertinente;

Mas porém tem muitas outra
Que eu lhe digo, no repente:
Ferroada de lacrau
Faz o pé ficar dormente;
Tem outra dô condenada,
É pisá-se em brasa quente.

Romano

Sou que nem dois telegrama:
Quando um assobe outro desce...
Inaço, você me diga,
Que nunca achei quem dissesse,
Qual é a erva do mato
Que o próprio cego conhece.

Inacio

Neste negócio de mato
Sou quase decurião...
Corto o baraio onde quero,
Dou carta e jogo de mão;
No mato tem uma erva,
Queima e arde como o chão,
O próprio cego conhece:
É urtiga ou cansação.

Romano

Inaço, se és tão sabido,
Responda sem estudá,
Qual é o tranze da vida
Que mais nos faz apertá,
Que até nos tira a alegria,
O jeito de conversá,
O sono durante a noite,
A vontade de almoçá.

Inácio

Seu Romano me parece,
Eu que não sou aprendido,
É quando morre a mulhé,
Ou quando morre o marido,
Nosso pai ou nossa mãe,
O nosso filho querido,
Quando chega em nossa porta
Um credô aborrecido.

Romano

Tomara achar quem me mostre
Uma casa sem Maria,
Mês que não tenha semana,
Uma semana sem dia,
Altá de igreja sem santo,
Vigaro sem freguesia,
Moça nova sem namoro
E véia sem ser titia.

Inácio

Eu nunca vi filho único
Que não fosse preguiçoso!
Quem anda com guarda-costa
Não é valente, é medroso!
O homem se faz por si,
Ninguém nasce poderoso!
O pobre fica maluco,
O rico fica nervoso...

Romano

Há certas coisas na vida
Que, se dando, é raridade:
Menino não querê leite,
Soldado ter castidade,
Rapariga sem enfeite,
Gente sonsa sem maldade,
Moça passar dos trint’anos,
Dizer direito a idade.

Inácio

Há dez coisas neste mundo
Que toda gente procura:
É dinheiro e é bondade,
Água fria e formosura,
Cavalo bom e mulhé,
Requeijão com rapadura,
Morá sem ser agregado,
Comê carne sem gordura.

..

Romano

Quando eu era pequenino,
No tempo em que eu vadiava,
No lugá onde eu nasci
A minha força eu mostrava:
Não deixei pau pra semente,
Pela raiz eu cortava.

Inácio

Nunca vi ninguém no mundo
Indigestá sem cumê,
Navio corrê no seco,
Atolero sem chuvê...
Também nunca vi no mundo,
Por isso queria vê
Tirá pau pela raiz
Só vendo é que posso crê:
Só se era mata-pasto,
Canapum ou muçambê.

Romano

O pau que eu tirá de foice,
Tu não tira de machado;
No mato que eu entrá nu,
Cabra não entra encourado;
Barbatão que eu pegá solto
Botas no mato, peado.

Inácio

Seu Romano inda não viu
O tamanho do meu roçado:
Grita-se aqui num aceiro
Ninguém ouve do outro lado,
Eu faço coisa dormindo
Que outro não faz acordado,
O que o sinhô fizé em pé
Eu faço mesmo deitado.

Romano

No lugar onde eu campeio
Tu mesmo não tira gado;
Faço figura no limpo
Faço mió no fechado
No poço que eu tomá pé
Você morre é afogado.

Inácio

Coisa que eu faço no mato
Ninguém faz no tabolero
O que o branco faz no duro
eu faço num atolero;
O que faz no mês de março
Eu tenho feito em janeiro,
O branco bem amontado
O nego em qualquer sendeiro
A concessão que lhe faço
É correr no meu acero
Embora o diabo lhe ajude
Eu derrubo o boi primeiro.

Romano

Eu já tenho dado em touro
Que quando ronca estremece
Tenho domado leão
Até que ele me obedece;
Já dei em muitos cantores
Mas nunca achei quem me desse!

Inácio

Com touros e com leões
Seu Romano já brigou
Mas se o povo se acalmar
Eu hei de mostrar quem sou
Quero dar em seu Romano
Que diz que nunca apanhou.

Romano

Se você vê que não pode
Comigo, é bom que se aquete:
Enquanto derrubá um,
Eu despacho mais de sete!
O que você faz de espada
Desmancho de canivete...

Inácio

O senhor nunca me viu
Frangi o couro da venta,
Meu cabelo se arpoá
E a testa ficar cinzenta...
Cantadô, quando eu me agasto,
Esfria com água benta.

Romano

Quando pego um cantador,
Adoece de repente,
Dá-lhe uma dor de cabeça
E uma coceira ardente
É um vexame tão grande
Que não há diabo que agüente.

Inácio

Meu martelo tem azougue
Cantador dele não sai,
Dá-lhe um frio com tontura,
Seca a carne a língua cai,
Fica o corpo sem governo
A alma vai-e-não-vai.

Romano

Inaço, tu tem cabeça
Porém juízo não tem!
Um gigante nos meus braços
Aperto não é ninguém!
Aperto um dobrão nos dedo
Faço virar um vintém.

Inácio

Tem coisa que dá vontade
Me meter na vida alheia:
Quem mata assim tanta gente
Inda não foi pra cadeia!
Pegá um gigante à mão
E não ficá ca mão cheia!
Rebentar dobrão nos dedo
E não quebrá uma veia:
Esse dobrão é de cera,
Esse gigante é de areia...

Romano

Inaço, fica sabendo
Que sou rei nesta ribera!
Tá me dando uma veneta
Fazê uma brincadera:
Eu quero mudá-te o nome
De Inaço da Catinguera...
Desse pau tão duro e forte
Eu faço burra leitera
E se me dé na cabeça
Faço virá bananera...

Inácio

O branco mais muita gente,
O negrinho mermo só,
O branco vem de cacete,
E eu recebo a cipó...
No pau que fizé entalha
Eu lavro sem deixá nó:
O branco corta a machado,
Eu lavro mermo de enxó...

Romano

Inacio da Catingueira
Se mete a cantar repente,
Negro me trata melhor,
Que estamos em meio de gente
Queira Deus você não saia
Da sala de couro quente.

Inácio

Meu branco dou-lhe um conselho,
Espero o sinhô tomar,
Se tire desse sentido,
Se arrede desse pensar,
Juro com todos os dedo
Que um homem só não me dá.

Romano

Inaço da Catinguera
Fala como uma folhinha...
Não quero escutá bobage,
Guarda a tua ladainha,
Não és pra me dá conselho:
Quando tu ia eu já vinha...

Inácio

Seu Romano, eu pra cantá
Não preciso passaporte...
É um dom da natureza
Um favor da minha sorte!
Em negócio de cantiga
Tenho feito muita morte.

Romano

Negro, se tu pretendes
Contra mim te armar em guerra,
Verás eu tirar-te a vida,
Deixar-te inerte, na terra,
E botar no teu cadáver
Serra por cima de serra.

Inácio

Seu Romano, eu tenho visto
Cantor que diz que é sabido,
Vir pelejar contra mim
Mas quando se ver perdido,
Chora pedindo desculpas
Dizendo: estava iludido.

Romano

Negro, as tuas façanhas
Eu delas não faço conta,
Tu te opondo contra mim
Dás murro em faca de ponta;
Eu monto no teu cangote
Mas no meu ninguém se monta.

Inácio

Seu Romano não faz conta
Porém eu hoje desmancho
Tudo o que o sinhô fizer:
Toco-lhe fogo no rancho,
Cuide em si que o negro velho
Dá-lhe um serviço de gancho.

Romano

Inaço, tu nunca viste
Eu mais meu mano em serviço.
Somo como dois machados,
No tronco de um pau maciço;
Um é raio abrasador,
Outro é trovão inteiriço.

Inácio

Eu bem sei que seu Veríssimo
No martelo é rei c’roado;
Mas, leve ele à Catingueira
Muito bem apadrinhado,
E verá como é que apanha
O padrim e o afilhado.

Romano

Coitadim de Catingueira
Aonde vei se socar,
Dentro de uma mata escura
Onde não pode enxergar,
Ele vei por inocente,
Não volta sem apanhar.

Inácio

Coitadim de seu Romano,
Aonde ele vei caí,
Nas unhas de um gavião,
Sendo ele um bentivi,
Está se vendo apertado
Como peixe no jiqui.

Romano

Romano quando se zanga
Treme o Norte, abala o Sul
Solta bomba envenenada
Vomitando fogo azul
Desmancha nego nos are
Que cai virado em paul.

Inácio

Inaço quando se assanha
Cai estrela, a terra treme,
O Sol esbarra o seu curso,
O Mar abala-se e geme,
Pega fogo o mundo em roda
E nada disso o nego teme.

Romano

Hoje aqui tem de se ver
Relampos de caracol,
Os nevoeiros pararem
E eclipsar-se o Sol;
Secarem as águas do Mar,
Pescar baleia de anzol.

Inácio

Hoje aqui tem de se ver
Como o ferreiro trabalha,
Como se caldeia ferro,
Como o aço se esbandalha;
Como se broqueia pedra,
Como se estoura a metralha.

Romano

Meu Deus, o que tem
Que no cantar se atrapalha?
Sustenta o ferro na mão,
Que estou na primeira entalha,
Teu ferro está se virando
E o meu não mostra falha.

Inácio

Meu Deus, que tem seu Romano
Parece que está doente?
Está temendo a desfeita,
Ou o bote da serpente,
Ou está com medo de
Ou com vergonha da gente.

Romano

Inaço, tenho cantado
Com muita gente de tino;
No sul com Manoel Carneiro,
No Sabugi com Ugolino,
Como não canto contigo
Que és fraco e pequenino?

Inácio

Seu Romano, abra os olhos
Com esse preto moreno
Tenha medo da botada
Da serpente e do veneno;
Eu já tenho visto grande
Apanhar dum mais pequeno.

Romano

Negro, ainda me abalo
Lá da serra do Teixeira,
Levo meu mano Veríssimo
Vamos dar-te uma carreira,
Dar-te uma surra em martelo
E tomar-te a Catingueira.

Inácio

Meu branco, dou-lhe um conselho
Se voimincê me atende;
Se for para nós brincar
Pode ir que não me ofende
Mas pra tomar Catingueira
Não vá não que se arrepende.

Romano

Negro, tu me conheces,
Já sabes bem eu quem sou;
Mas quero te prevenir
Que na Catingueira eu vou
Derrubar o teu Castelo
Que nunca se derrubou.

Inácio

É mais fácil um boi voá
Um cururu ficar belo,
Aruá jogar cacete
E cobra calçar chinelo,
Do que haver valentão
Que derrube o meu Castelo.

Romano

Quem quer ferir inimigo
Não faz ponto nem avisa;
Quando eu for à Catingueira,
Nesse dia o sol se incrisa;
Inda vou lá, fique certo,
Somente dar-te uma pisa.

Inácio

Me diga o dia em que vai,
Quais são os seus companheiros.
O senhor pode levar
Dez ou doze cangaceiros;
Que a todos eu saio a peito
Como um valente guerreiro.

Romano

Antes de eu ir, outro dia,
Te mandarei um aviso
Você, tando em casa, corre
Porque você tem juízo...
E eu vou só fazê estrago:
Quebro, rasgo, queimo e piso!

Inácio

Quando for procure um padre
Que o ouça em confissão,
Deixa a cova bem cavada
E deixe a encomendação
Leve a rede onde é de vir
E já prontinho o caixão.

Romano

Inaço, eu sei que é duro,
Mas é lá na Catingueira
Na Mãe d’água, onde eu moro,
Não descambas a ladeira.
Mais fácil o diabo ir ao Céu
Do que ires ao Teixeira.

Inácio

Meu branco não diga isso
Que o sinhô não me conhece
Veja quando o Sol sair
Com a luz que resplandece
Olhe para os quatro lados
Que o negro velho aparece.

Romano

Negro, eu só canto contigo
Por um amigo me pedir
Visto me sacrificar,
Não me importa de ferir...
Cavo onde achar mais mole
E bato enquanto bulir.

Inácio

Seu Romano, lhe aconselho,
Não cometa tal perigo,
a Deus que lhe defenda
Do laço do inimigo,
Antes morrer enforcado
Do que pelejar comigo.

Romano

Negro, canta com mais jeito,
Vê a tua qualidade.
Eu sou branco, tu um vulto
perante a sociedade.
Eu em vir cantar contigo
Baixo de dignidade.

Inácio

Esta sua frase agora
Me deixou admirado...
O sinhô para ser branco,
Seu couro é muito queimado,
Sua cor imita a minha,
Seu cabelo é agastado.

Romano

Com negro não canto mais
Perante a sociedade.
Estou dando cabimento
Ele está com liberdade.
Por isso vou me calar,
Mesmo por minha vontade.

Inácio

O sinhô me chama negro,
Pensando que me acabrunha.
O sinhô de home branco
Só tem os dente e as unha,
A sua pele é queimada,
Seu cabelo é testemunha.

Romano

Inaço, eu estou ciente
Que tu és um negro ativo;
Mas não estou satisfeito,
Devo te ser positivo:
Me abate hoje em cantar
Com um negro que é cativo.

Inácio

Na verdade, seu Romano,
Eu sou negro confiado!
Eu negro e o sinhô branco
Da cor de café torrado!
Seu avô vei ao Brasil
Para ser negociado.

Romano

Negro, eu vou te pedir,
Vamos deixar o passado,
Esquecer quem foi cativo,
Que nos dá mais resultado.
Acabar a discussão
Esquecer todo o atrasado.

Isso aí é outra coisa.

Inácio


Eu não luto sem motivo.
O sinhô também esqueça
O povo que foi cativo.
Quem tem defunto ladrão
Não fala em roubo de vivo.

Romano

A desgraça do home rico
É dar importância a pobre.
Sendo eu a prata fina
Vim me misturar com cobre.
Grande castigo merece
Quem se abate sendo nobre.

Inácio

Esta agora é engraçada,
Eu digo com toda fé:
De prata se faz arreio,
Faz faca, garfo e cuié,
De prata se faz espora
Pra negro botar no pé.

Romano

Já faço tu te calar
Não quero articulação.
Vamos à geografia
Que chama o povo à atenção.
Vê se sabes ou se podes
Me dar uma explicação.

Inácio

Seu Romano, ainda me lembro
Que meu sinhô me dizia
Que o mundo tem cinco partes,
É Ásia e Oceania,
Europa, América e África,
Assim diz a geografia.

Romano

Então deves conhecer
Cabos, estreiros e mar,
Os golfos, as raças todas
Onde puderam habitar.
Afina tua memória
Que eu quero te perguntar.

Inácio

Não respondo sua pergunta,
Não conheço academia,
Vivo só do meu roçado,
Nunca vi uma livraria.
Vá perguntar a um doutô
Que é quem sabe geografia.

Romano

Meu Deus, que tem esse negro
Que no cantar se maltrata!
Agora Romano velho
Canta um ano e não se mata;
Quanto mais canta mais sabe
E nó que dá ninguém desata.

Inácio

Eu bem sei que seu Romano
Tá na fama dos anéis;
Canta um ano, canta dois,
Canta seis, sete, e dez;
Mas o nó que der com as mãos
Eu desmancho com os pés.

Romano

Inaço, vamos parar,
Estou com dor de cabeça.
Preciso de algum repouso
Antes que o dia amanheça.
Estou com cara de sono
Sem ter mais quem me conheça.

Inácio

Sua doença, seu Romano,
Está muito conhecida.
Melhor rasgar o tumor
Antes que vire ferida.
O reis por perder o trono
Não deve perder a vida.

Romano

Latona, Cibele, Réa,
Íris, Vulcano, Netuno,
Minerva, Diana, Juno,
Anfitrite, Androcéia,
Vênus, Climene, Amaltéia,
Plutão, Mercúrio, Teseu,
Júpiter, Zoilo, Perseu,
Apolo, Ceres, Pandora,
desata, agora,
O nó que Romano deu.

Inácio

Seu Romano, desse jeito
Eu não posso acompanhá-lo.
Se desse um nó em martelo
Viria eu desatá-lo
Mas como foi em ciência
Cante só que eu me calo.

...Fim... ... Apenas do que poderam lebrar. Talveis mais do que isto firacaram perdidas, atraveis das lenbranças
daqueles que testemunharam o que podemos chamar, do maior encontro entre dois cantadores. o encontro entre Romano da Mãe Dágua e Inácio da Catingueira.
(nenenzin Pereira)





Rio de Janeiro 2016 iééé

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Walérya meu amor

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